última lição_Professor Fernando António Baptista Pereira
6 JULHO 2023 | 11h00 | GRANDE AUDITÓRIO //VIA ZOOM
No dia em que completa 70 anos, o Professor Catedrático Fernando António Baptista Pereira dará a sua Última Lição, despedindo-se assim da sua longa carreira como docente da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.
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Nesta Última Lição intitulada VOX DEEST, o Professor fará uma reflexão sobre a “Voz” dos Artistas.
Entrada livre até à lotação da sala.
Este evento é passível de ser fotografado e filmado e posteriormente divulgado publicamente.
VOX DEEST
Uma reflexão sobre a «Voz» dos Artistas
A expressão latina Vox Deest (só lhe falta a voz) aplicava-se, na Antiguidade Clássica, às Artes Plásticas, por contraposição com a Poesia, na mesma linha do tópico enunciado numa outra expressão, Ut Pictura Poesis, que defendia ser a Pintura uma Poesia Muda e a Poesia uma Pintura falante.
Por vezes, a expressão Vox Deest foi livremente traduzida pela conhecida expressão «só lhe falta falar», aplicando-se correntemente a um Retrato pintado. Com efeito, o famoso arquiteto, pintor e memorialista Giorgio Vasari, nas suas Vite, ao referir-se aos retratos executados pela pintora Sofonisba Anguissola na sua terra natal, Cremona, antes de partir para Castela, diz che non manchi loro che la parola.
Contrariando esta proclamada «mudez» das Artes, desde esses tempos da Antiguidade que os Artistas procuraram ter e afirmar uma voz: escreveram tratados sobre as artes que praticavam, atividade continuada durante a Idade Média, sob outros contextos, e, sobretudo, a partir do Renascimento, acrescentando igualmente dimensões memorialísticas e críticas sobre os artistas que os haviam antecedido. Por outro lado, haverá que interrogar essa suposta «mudez» da Pintura ou até da Escultura, através de exemplos concretos, por sinal bem «falantes»…
É um facto indesmentível que, até ao final do século XVII, quando o próprio ensino académico das Artes atingiu um ponto de estabilização em vários países da Europa, os principais tratadistas e memorialistas eram ou tinham sido artistas de formação.
Em meados do século XVIII, com o desenvolvimento das ciências e dos saberes humanísticos proporcionado pelo Iluminismo, a reflexão sobre as Artes desdobra-se em várias disciplinas que se autonomizam epistemologicamente: a crítica de arte surge ligada ao movimento dos Salons e é protagonizada por Diderot, um escritor ou literato; a história da arte é formalizada a partir de uma base arqueológica por Winckelmann; a Estética autonomiza-se com Lessing.
Nos dois séculos seguintes, a reflexão sobre as Artes é principalmente protagonizada por escritores, historiadores e filósofos, remetendo-se os artistas a reflexões esparsas que passam a ser classificadas, por vezes depreciativamente, como «escritos de artistas», apesar do êxito que alguns livros escritos por artistas conhecem desde que foram publicados, como o é o caso de Do Espiritual na Arte de Vassili Kandinsky. Nesses livros, nesses «escritos de artistas» e em «memórias descritivas» de projetos ou simplesmente em aforismos, observações e ditos de artistas recolhidos por outros autores encontramos análises e leituras de obras dos próprios ou de outros artistas do passado que ultrapassam em perspicácia e pertinência invariavelmente tudo o que a História da Arte, a Crítica ou a Estética eram capazes de formular, nesses mesmos tempos, sobre as épocas ou os artistas em causa, o que nos vem colocar a questão da importância crucial desse «ponto de vista» interno e inerente à própria Arte que, normalmente, não é considerado.
No final do século XX e nas primeiras décadas do XXI, quando, finalmente, a Universidade parece ter perdido (talvez ainda não completamente, se atendermos aos chamados «critérios de produção científica») o preconceito medieval relativamente às «artes mecânicas» e decide incorporar no seu seio as Escolas e Academias de Belas-Artes e, principalmente, quando os Artistas começam a realizar Mestrados e Doutoramentos, por vezes num intervalo de tempo de pouco mais de uma década e meia, encontramos uma nova situação em que os Artistas podem, justamente, reclamar e reafirmar a sua «voz» perdida e recuperada, acrescentando dimensões novas, amplificantes e definitivamente «expandidas» (como se tem verificado nos diversos campos artísticos) à História da Arte, à Conservação e Restauro, à Crítica e à Curadoria e à Estética.
FABP