todos somos água
16 > 23 MAIO I CISTERNA BELAS-ARTES
Inaugura no dia 16 de maio, às 18h00, na Cisterna das Belas-Artes, a exposição Todos somos Água de Mikha-ez, com coordenação de João Castro Silva e curadoria de Francisca Gigante e Gabriela Giménez. A exposição ficará patente até 23 de maio.
horário schedule
2ª a 6ª › 10h–12h e 14h-18h
dias 18 e 19 de maio > 14h-19h
Para marcar visitas fora deste horário por favor contatar: mikhaez@usal.es
monday to friday › 10-12am and 2-7pm
18th and 19th may > 2-7pm
To plan a visit on another schedule please contact: mikhaez@usal.es
Informamos que este evento poderá ser registado e posteriormente divulgado nos meios de comunicação da instituição através de fotografia e vídeo.
Tejo
Para quem é de Lisboa o rio Tejo é nosso, não nos interessa de onde veio nem para onde vai.
Para os lisboetas o Tejo é mais do que um rio, é, como Garrett o descreve, um pequeno mar fechado[1] que condensa aquilo que o Mediterrâneo representa para a cultura clássica.
O rio Tejo de Lisboa não tem um curso, não é linear – como a perspectiva judaico-cristã do tempo – não tem uma trajectória circunscrita por uma linha histórica determinada, uma série evolutiva de fatos históricos inéditos. Não é uma sucessão contínua de eventos irrepetíveis e irreversíveis nem uma recta ininterrupta de registos históricos singulares onde todos os eventos possuem sentido, na medida em que ocorrem em vista de uma finalidade última.
Para os lisboetas, tal como o seu Rio, a natureza segue um trajecto circular, símbolo da perfeição. O Tejo de Lisboa não tem um começo nem um fim, nem nascente nem foz, é cíclico – como a abordagem que os gregos primitivos e os camponeses[2] fazem do tempo. É uma permanente sequência de ciclos repetitivos sem começo nem fim, um eterno retorno, um círculo inexorável.
Mais do que um rio, o Tejo de Lisboa é um mar, que se chama da Palha, e toda a vasta região à sua volta, um “mar entre terras”[3]. Um centro vital, uma unidade funcional geradora de coerência económica, política, social e cultural.
Mas “a visão escatológica do cristianismo promoveu o sentido de mudança progressivo”[4] e para o homem moderno, seguindo também o pensamento de Newton, o tempo tem direcção, a mudança é progressiva, a linha recta é o percurso natural de toda a matéria em movimento. Há um início e há um fim. A água do “nosso Rio” chega a Lisboa envenenada pelos vazamentos, a montante, de esgotos domésticos e industriais e de material radioactivo. Elevados níveis de fósforo e de azoto e baixo teor de oxigénio que não permitem vida.[5] Os 1.007 quilómetros de curso do Tejo são usados como despejo.
A partir do ano de 1981 é feito o primeiro transvase do rio Tejo para o rio Segura, na província de Múrcia, a maior obra de engenharia hidráulica da Península Ibérica. “O projecto foi criticado desde o primeiro dia pelos defensores do rio de várias províncias da região autonómica Castela – la Mancha. A resposta do Estado espanhol foi sempre a da valorização económica de um bem que dizia existir a mais no Tejo e a menos no levante espanhol.”[6]
Neste momento cresce o número de movimentos de defesa do rio. Tenta-se convencer o Estado espanhol a reduzir o caudal do transvase. Nas regiões afectadas de Castela – la Mancha não se pede apenas a redução do caudal mas o seu fim, especialistas garantem que, “a bacia do rio Segura tem recursos próprios suficientes para responder a todas as suas necessidades de água actuais e futuras desde que ambientalmente sustentáveis.”[7]
Diz-nos John Berger que “A história moderna tem início – em momentos diferentes e em diferentes lugares – quando o princípio do progresso tornou-se o móvel e o objectivo da história.”[8] Baseadas numa visão judaico-cristã do tempo, as culturas do progresso, imaginam uma expansão, são orientadas para o futuro porque este é a esperança de qualquer coisa melhor e maior. Para a cultura grega clássica arcaica, camponesa, tudo está condenado a girar eternamente na roda da história, o futuro é uma sequência de actos. “Cada ato passa uma linha pelo olho da agulha e a linha é a tradição. Não se imagina nenhum aumento global.”[9]
Se os dois modos de conceber o tempo poderão ser irreconciliáveis, já que “Os dois movimentos são duas maneiras diferentes de percorrer um círculo. (…) Aqueles que possuem uma visão linear do tempo não conseguem aceitar a ideia do tempo cíclico: ela cria uma vertigem moral, já que toda sua moralidade se baseia na causa e efeito.”[10], o que Mikha-ez nos propõe é tentar harmonizar a visão moderna de tempo – consumista, selvagem, destruidora – com a dimensão cíclica de eterno retorno – natural, equilibrada, sustentável – pela condição intrínseca da água, de sermos água.
João Castro Silva
Lisboa, 14.03.19
[1] “a imensa majestade do Tejo em sua maior extensão e poder, que ali mais parece um pequeno mar mediterrâneo” in GARRET, Almeida, Viagens na Minha Terra, ed. Europa América, s/d, p. 46
[2] “o camponês possui basicamente uma visão cíclica do tempo. (…) Aqueles que possuem uma visão cíclica do tempo conseguem aceitar com facilidade a convenção do tempo histórico, que são simplesmente os vestígios da roda a girar.” in BERGER, John, Terra Nua, (trad Roberto Grey) ed. Rocco, Rio de Janeiro, 2001, p. 15
[3] MATOS, José Sarmento de, As Chegadas, ed. Temas e Debates, 2008, p. 35
[4] TUAN, Yi-Fu, Topofilia, um estudo da percepção atitudes e valores do meio ambiente, ed. Eduel, Londrina, 2012, p. 207
[5] https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/como-espanha-envenena-a-agua-do-rio-tejo
[6] https://www.publico.pt/2017/11/19/sociedade/noticia/o-que-e-o-tejosegura-1793081
[7]ibidem
[8] BERGER, John, Terra Nua, (trad Roberto Grey) ed. Rocco, Rio de Janeiro, 2001, p. 18
[9]Ibidem
[10] BERGER, John, Terra Nua, (trad Roberto Grey) ed. Rocco, Rio de Janeiro, 2001, p. 15
1007 km mede o Rio Tejo, o rio mais longo da Península Ibérica, desde que nasce em Fuente García (Teruel, Espanha) até que derrama as suas águas no Oceano Atlântico, passando antes pelo Mar da Palha (Lisboa, Portugal).
Um dia todos fomos peixes, propôs o artista carioca Ernesto Neto na sua exposição da Blue Foundation em Barcelona[1]. Todos somos água é uma reflexão sobre essa substância que temos em comum, essa que no começo da vida é cerca do 70% do nosso corpo, uma percentagem muito semelhante à que ocupa na superfície terrestre. Afinal, como Jean-Luc Nancy disse em Corpus, o nosso corpo é “un peso específico de agua y de hueso”[2].
A instalação, concebida para a Cisterna da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, é estruturada através de uma linha imaginária composta por três colunas de som. Uma “linha” que reproduz simbolicamente a rota da água do Rio Tejo, o Mar da Palha e o Oceano Atlântico. Três colunas de som, localizadas em ambas extremidades e no ponto médio da cisterna, que reproduzem em loop os sons dessas três águas de naturezas tão diferentes e tão iguais ao mesmo tempo. Uma “linha” que é também uma guia para o trajeto empreendido pelo usuário neste espaço escuro que cheira a humidade, que é preenchido com uma espécie de bruma onde um vídeo é projetado e atravessa esta neblina. Uma metáfora do curso da vida, que começa nas águas do ventre materno e, como um rio que flui de uma fonte, atravessa os obstáculos alargando-se no final do seu caminho, repleto de experiências.
Mikha-ez
[1] NETO, Ernesto, «Um dia todos fomos peixes», Blue Foundation, acesso dia 19 de junho de 2018, www.blueprojectfoundation.org/es/exposiciones/item/um-dia-todos-fomos-peixes.
[2] NANCY, Jean-Luc, Corpus (Madrid: Arena Libros, 2010), 11.