os 500 desenhos de silva porto da coleção snba
29 JANEIRO > 07 MARÇO I SOCIEDADE NACIONAL DE BELAS ARTES
Inaugura no dia 29 de janeiro, às 18h30, a exposição 500 DESENHOS DE SILVA PORTO DA COLEÇÃO SNBA. A exposição ficará patente até 07 de março.
Horário
2ª a 6ª: 10h/19h; sáb.: 14h/19h
No Campo Grande, com Silva Porto
João Paulo Queiroz
- Presidente da Direção SNBA
Há 160 anos, em 1860, a Academia de Belas-Artes de Lisboa procurava um enquadramento para as suas exposições trienais, onde expunham, mediante obrigação estatutária, os seus professores e os seus alunos, obrigatoriamente e sem falta. Estas exposições eram as únicas e atraíam o interesse e participação de não académicos, de amadores e ilustres, sem um lugar para a sua exposição.
É fundada, em 1860, pelos académicos de Lisboa e alguns aristocratas, e com o patrocínio real, a Sociedade Promotora de Belas Artes, a antecessora direta da atual Sociedade Nacional de Belas Artes. Os seus sócios, os académicos, os alunos, e os amadores sofisticados, dividiam-se, como ainda hoje, em “sócios titulares” – os amadores categorizados – e em “sócios efetivos” – os artistas profissionais, possuidores de diploma em Belas Artes.
As exposições da Promotora são também trienais, como as da Academia, pelos seus estatutos. Quando Silva Porto regressa de Paris e participa na exposição de 1880, e cedo se apercebe que o seu ritmo de trabalho não era compatível com a lentidão implícita nas Exposições ao ritmo de três anos, talhadas a pensar nas grandes obras de composição histórica aparatosa e de lenta e esforçada elaboração.
Silva Porto trouxera novidades. Abrira a porta do atelier para, junto do gado e do povo, se sentar ao sol e, duramente, pintar ali mesmo os seus quadros. Era uma pintura portadora da frescura verde do rio, do azul metálico do céu dos dias quentes, do sol a pique que se reflete nas agulhas ondeantes das searas em sequeiro. Entorno da sua casa de campo, no Lumiar, estabelece um perímetro de operações, como o fizera em França, ao longo do Rio Oise em Auvers, ou na Floresta de Barbizon.
O trabalho, muito, é exposto nas exposições paralelas, em salas emprestadas, com um grupo restrito dos seus alunos e amigos. Chamam-lhes o Grupo do Leão, nome da cervejaria, aos Restauradores. As exposições são anuais, espécie de primeiros “Salões de Outono” e reservadas à “arte moderna”.
Ao mesmo tempo, a Sociedade Promotora esgotava as suas energias, pelo seu programa clássico, e pela monumental fundação do Museu das Janelas Verdes e a organização das suas exposições, levadas a cabo pelos seus académicos. Perdia-se o fôlego das exposições, mesmo trienais. Mas Silva Porto empreende a sequência, em paralelo, de oito exposições anuais sendo acompanhadas de muito êxito. Ele e os seus companheiros e admiradores, colecionadores e amadores, em combinação com Ramalho Ortigão, e contando com o apoio da casa real, preparam uma nova associação, dinâmica e reformada, que será o Grémio artístico.
Quando Silva Porto morreu, precocemente, aos 42 anos, em Lisboa, em 1893, deixa um complexo legado, tanto artístico, como institucional e patrimonial. É o Grémio Artístico que, no leilão do espólio do artista, em 1894, irá adquirir as suas gavetas de desenhos, a miscelânea de folhas de papel que lá se encontravam.
Objetos muito diversos, desde os pequeninos apontamentos de uma criança de 10 anos passando pelos trabalhos esforçadas de um estudante de escola industrial, projetos de arquitetura e estudos de Belas-Artes, provas de pensionista, desenhos de exame e de prova de acesso às academias de Paris, e muitos outros trabalhos que acompanharam a sua curta vida.
Será o Grémio Artístico que, já em 1901, se fundirá com a Sociedade Promotora, exangue, mas prestigiada, numa assembleia geral simultânea, originando assim a Sociedade Nacional de Belas Artes.
Este conjunto de desenhos é ao mesmo tempo monumental e banal, pois no acervo convivem os mais ambiciosos projetos com os mais insignificantes esbocetos e anotações ínfimas. Neles se esconde uma vida inteira, e uma leitura do mundo, um pensamento e muitos testemunhos.
O conjunto dos 500 desenhos, significativo e diversificado, protegeu-o, talvez. O tempo foi passando sem que se dispersasse, mantendo-se em diversas pastas e cadernos, conservados nas arrecadações da SNBA durante mais de 100 anos, a maior parte inéditos. Talvez a grandeza do espólio assustasse, e talvez não tenha sido mau de todo, afinal.
E os tempos mudaram: o trabalho de Sara Beirão, que no seu Mestrado de Ciências da Arte e do Património tomou como objeto de estudo o espólio da Sociedade Nacional de Belas-Artes, tomou como objeto o completo inventário deste conjunto. Um trabalho diligente, minucioso, atualizado e correto, com uma metodologia científica adequada, supervisionado pelas professoras Cristina Tavares e Elsa Garrett Pinho, as mais autorizadas especialistas.
Faltava agora a divulgação integral deste acervo. Em 2019 pudemos estabelecer a ligação oportuna entre a crescente consciência ambiental – e esse foi um ano grande para todos – e a temática desta pintura que nos faz regressar à Natureza. Pudemos assim fazer a proposta de associar esta exposição às iniciativas que a Câmara Municipal de Lisboa programou em 2020, por ocasião da atribuição pela Comissão Europeia a Lisboa do título de “Capital Verde.”
Foi o pretexto imaginado, proposto, valorizado e compreendido. Uma oportunidade de editar este volume, de restaurar, desenhos mais precários, de emoldurar a totalidade dos desenhos do acervo, sem excepção, e de mostrá-los também ao público.
A ideia, ambiciosa – 500 desenhos! – foi recebida com entusiasmo pelo vereador José Sá Fernandes e pelo presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, que nos apoiaram.
Inesperadamente atual, a obra de Silva Porto esconde um pensamento profundo, e é uma oportunidade que surpreende na sua criatividade renovada: a natureza hoje mudou de lugar no imaginário, chama-se sustentabilidade, chama-se ambiente, chama-se verde: mas é ainda a mesma, aquela que Silva Porto tanto procurou e incansavelmente representou.
Olhamos de novo os trabalhos de Silva Porto, antes do plástico e do óxido de enxofre, da camada escura do que estamos a deixar nos estratos do antropoceno, e percebemos novos sentidos, chamadas, perguntas e desafios que ultrapassam em muito o gosto da época, e o domínio da pintura e do desenho, coisas afinal pequenas.
Desenvolve-se agora a obra de Silva Porto numa ética integral do ser humano. Este é um sinal da grandeza da obra: quando transcende a sua significância expressiva e se alarga até um humanismo novo, hoje, continuando a sua criação.
Lisboa, 15 de janeiro de 2020