I stood up and…never sat down again — exposição dos finalistas em arte multimédia 2014-2015
18 NOVEMBRO > 17 JANEIRO I PLATAFORMA REVÓLVER
Decidido pelos recém-licenciados que nela participam, o título da exposição recupera para um plano de abstracção o sentido particular da mudança que a pintura Hotel Bedroom (1954) instaura na obra de Lucien Freud, nos termos em que o pintor a formulou a William Feaver: «My eyes were completely going mad, sitting down and not being able to move. Small brushes, fine canvas. Sitting down used to drive me more and more agitated. I felt I wanted to free myself from this way of working. Hotel Bedroom is the last painting where I was sitting down; when I stood up, I never sat down again».
É este movimento, que troca o estar sentado pelo estar de pé, que os finalistas da licenciatura em Arte Multimédia, do ano lectivo de 2014-2015, acolheram como desígnio. Porque é ele que, contrariando os conformismos e as conformidades, finalmente os liberta da sedentarização em que não se podem rever, por o seu tempo ser tanto o dos lugares desabrigados em que o mundo se tornou, como o da errância sem fim à vista, que deles faz os estrangeiros que, em qualquer parte, vivem a ameaça do afastamento de alguém ou de alguma coisa e, portanto, a iminência da abstracção.
Mas neste estar de pé inscreve-se também a primeira exigência do caminho – ou do estar a caminho – e a clausura numa essencial transitoriedade, que é a da impermanência das sombras e dos reflexos, geradora da primeira conjuntura das imagens. E não será por acaso que é precisamente a impermanência a informar a maioria das obras agora expostas. Como não será por acaso que, ainda na sua maioria e em diferentes patamares de nitidez, elas se estruturam em torno da presença velada ou desvelada do(s) corpo(s) que as habita(m). Corpos que associamos a dispositivos mnemónicos nos quais os lugares, os seres e as coisas existem nos hiatos abertos pela sobreposição de um antes e um depois como se, fora deles, só pudessem existir na brevidade dos interregnos.
Em Spectrum, Alexandre Alagôa amplia o mundo com a claustrofobia dos espectros retidos no outro lado das imagens, ou no avesso da disponibilidade dos ecrãs. Em A Caixa, Alexandre Murtinheira faz da caixa uma passagem entre duas realidades formal e semanticamente distantes, e o suporte da dimensão irreal das aparições que surgem da insistente presença de um objecto esvaziado dos seus conteúdos funcionais. Beatriz Bravo, em Sótão, encontra no sótão o pretexto para as fotografias de um imaginário fixado no tempo póstumo da utilidade das coisas. Com Passagem, Carmen Antunes Esteves faz coincidir a dimensão voyeurista do ver com o dispositivo perspéctico, fundador das imagens em perspectiva. Na animação Pós-Guerra, Daniela Fortuna aloja nas sombras que deslizam na penumbra ruinosa dos vazios, a memória anónima da guerra. Com Desconforto, Débora Pequito encena na inospitalidade dos lugares, a busca infindável da reconciliação com um lugar interior. Em Rua das Janelas Verdes, Inês Rego devolve-nos o trecho de uma rua de Lisboa, reescrita nos vários tempos de um habitar que a banda sonora arrasta para o presente. Em S/ Título, Leonardo Ramos confia ao obtuso das imagens os secretos vínculos que elas estabelecem com uma indecidível realidade. Em Sombro, Maria João Costa delega na silhueta a sua pertença à domesticidade de um lugar, desse modo concretizando-se na imagem como vestígio. Com Postais, Rogério Paulo da Silva acciona no observador o estranhamento da familiaridade resultante do confronto com a actividade das imagens. Dream Sequence é a imponderabilidade onírica das imagens que Sara Reis edita para hipnotizar o observador. Livro efémero é o objecto ressonante de Tamia D., que contém nas qualidades fotossensíveis da sua matéria a fatalidade do seu apagamento. Obedecendo à proposta de ilustrar o capítulo «Sacrifício ao amor», do livro de Afonso Cruz, O Pintor debaixo do lava-loiças, lançada na unidade curricular de Ilustração Desenvolvimento I, leccionada pelo Professor Pedro Saraiva, Laura Ferreira e Tânia Ferrão apresentam dois livros de ilustrações que vão ao encontro das imagens sugeridas pelas palavras, aos quais Tânia Ferrão acrescenta uma animação em vídeo realizada a partir das imagens do seu livro.
Cansado da absorção nos pequenos gestos que, a curta distância, concretizavam os muitos detalhes da pintura, Lucien Freud decidiu pintar de pé e jamais se voltou a sentar. Devotadas à sua condição de vestígio, sombra ou reflexo, as obras presentes nesta exposição fecham o último acto de uma idade que termina e que, para quase todos, coincide com o primeiro acto de uma duração que começa. A todos peço que, à semelhança do que aconteceu com Freud, jamais cedam à tentação da cadeira e de tudo o que nela é sinónimo de passividade e imobilismo. E a todos agradeço, estendendo o agradecimento aos que no mesmo ano terminaram a licenciatura em Arte Multimédia e que, por lucidez ou falta de convicção – e há sempre um momento em que ambas são o nome com que diferentemente se designa a mesma circunstância – não participam na exposição.
Maria João Gamito
Exposição de Animação, Audiovisuais, Fotografia e Instalação de Alexandre Alagôa, Alexandre Murtinheira, Beatriz Bravo, Carmen Antunes Esteves, Daniela Fortuna, Débora Pequito, Inês Rego, Laura Ferreira, Leonardo Ramos, Maria João Costa, Rogério Paulo da Silva, Sara Reis, Tamia D. e Tânia Ferrão.