entre forças: humana natureza — pós-graduação discursos da fotografia contemporânea
16 > 30 JULHO I CARPE DIEM ARTE E PESQUISA
Exposição de Teresa Martelo, Rui Dias Monteiro, João Mota da Costa, Leonor Fonseca, Juliana Falchetti, Carolna Pimenta, Inês M. Silvestre, João Valinho, Miguel Lobo, João Afonso Januário, Fernando Brito, Miguel Opes, Rita Cadete
“O que há de melhor nas ciências é o seu ingrediente filosófico, como a vida é o que há de melhor nos corpos orgânicos. Despojem as ciências da sua filosofia, que fica? Terra, ar e água.”
(Novalis, in Fragmentos)
A exposição “Entre Forças: Humana Natureza” reúne os trabalhos dos treze alunos da pós-graduação em Discursos da Fotografia Contemporânea, da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Ao longo do ano lectivo de 2015/2016 os alunos desenvolveram projectos autorais com os tutores António Júlio Duarte, João Tabarra, José Luís Neto e Paulo Catrica. Da análise feita aos trabalhos, que foram sendo desenvolvidos durante a formação, observou-se que os mesmos se bifurcavam em duas pujantes temáticas: a força do Homem e a força da Natureza, com todas as fragilidades que uma força possa conter. O aumento do poder humano através da pesquisa tecnológica tem sido discutido nestes últimos anos de forma assídua; a inteligência artificial avança, por exemplo, incontornavelmente.
A introdução em simultâneo das palavras “humana” e “natureza” no motor de pesquisa mais conhecido a nível mundial, reencaminha-nos, de imediato, para o conceito “natureza-humana” incidindo sobre a condição humana uma superioridade face à norma da Natureza.
No entanto, ao longo dos séculos e apesar da sua paralela convivência com o Homem, a Natureza tem resistido a deixar-se humanificar: o vento continuará a soprar, a água do rio jamais alterará o seu curso e a terra, quando bem entender, poderá sempre sacudir o Homem de forma a lembrá-lo da sua magnificência. Este confronto entre as forças humana e natural, na verdade, tem percorrido a história da Existência, desenhando várias linhas de pensamento.
O circuito expositivo inicia-se rondando as postulações dos estados mentais inconscientes estudados por Freud. No trabalho de Teresa Martelo somos conduzidos, através de um sonho vivido na infância, a visitar espaços corporalmente habitados. A procura do pormenor faz-se sentir não só no seu trabalho como também no de Rui Dias Monteiro, onde o verbo se conjuga com a imagem numa busca rodopiante de sentido. Marx defendia que a natureza humana é essencialmente social, ou seja, pressupunha a existência de outras pessoas. Talvez tenha sido a impossibilidade de trabalhar sobre o outro que nos tenha levado a criar o auto-retrato, no fundo, uma eterna fuga de nós mesmos. Um corte entre corpo e alma, profetizado por Platão, deixa-nos em constante processo de cicatrização. João Mota da Costa retrata as imensas cirurgias vívidas e os seus processos regenerativos. Gessos que imobilizam, em habitáculos temporários, moldando as lesões, aquietando os ossos. Duzentos e seis, por norma.
A regeneração do Homem é amplamente fomentada pelas teorias cristãs que encontram em Deus o perdão. Leonor Fonseca recorre a passagens bíblicas dessacralizando-as, colocando-as no sopé divino, aniquilando o simbolismo e mostrando que ao pó voltaremos. A transgressão de preceito religioso, o Pecado, se assim o quisermos chamar, tem imposto sobre o Humano limitações várias. O trabalho de Juliana Falchetti reflecte sobre as barreiras auto-impostas, limites sem contornos bem definidos que nos castram e que nos condicionam. Inês M. Silvestre reúne um conjunto de sonhadores de olhos postos no horizonte; essa linha imaginária, em perspectiva, que passa a recta de fuga, em projectiva. Talvez a fuga que Sartre sempre procurou quando descobriu que estava condenado à liberdade. Uma liberdade procurada por Carolina Pimenta através das batalhas que defronta com o mar, com o ar e com a terra. Gestos rectos repetitivos sobre uma pedra curvilínea insinuam uma tomada de consciência da própria liberdade que pode tornar-se angustiante. Gritos surdos, confrontos com o real, fuga ao desconhecido, ao que não conseguimos apreender. Miguel Opes, a partir da pintura “La Source de la Loue”, de Gustave Courbet, faz recair a sua atenção sobre as matérias sonoras e imagéticas: som, imagem, gravidade.
Os efeitos da actividade humana no clima e no funcionamento dos ecossistemas da Terra implicam uma mudança radical na ciência tal como a conhecemos. Merleau-Ponty acreditava que a ciência manipulava as coisas e, como tal, renunciava a habitá-las. Já não podemos conceber um processo evolutivo sem a interferência do homem e da tecnologia. João Valinho reflecte sobre a era antropoceno, uma nova era geológica onde Homem e Natureza são indivisíveis. A época em que os humanos substituirão a Natureza como a força ambiental dominante na Terra é sentida não só por Miguel Lobo, em forma de “solastalgia”, em forma de angústia perante o anúncio do desaparecimento da paisagem tal qual a conhecemos, como também por João Afonso Januário que retrata o desconforto perante o desaparecimento em massa de palmeiras assoladas pela praga do escaravelho e que ditaram milhares de abates.
Descamada. Ansiosa por uma hidratação que a regenere.
Composta por epiderme, derme e hipoderme, a pele, sobre a qual o trabalho de Rita Cadete se debruça, é o maior orgão do corpo humano; sem ela, a nossa sobrevivência seria impossível. Assim como sem a água. Os percursos cíclicos e eternos, as suas viagens em trajectos entre superfície e profundidade são analisados através da instalação de Fernando Brito. Uma visão analítica sobre o engenho.
O Homem, através da ciência, a poetizar a, já por si, poetizável Natureza.
“Tudo acontece em nós muito antes de ter acontecido.”
(Novalis, in Fragmentos)
Cláudia Camacho
Curadora