para sul numa “silhueta” de mendieta — exposição de josé quaresma
11 > 31 OUTUBRO 2022 I MUSEU NACIONAL FREI MANUEL DO CENÁCULO, ÉVORA
Inaugura no dia 11 de outubro, às 16h00, no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora a exposição individual de José Quaresma Para sul, numa “silhueta” de Mendieta (cartaz). Devido à especificidade dos lugares para os quais as peças foram produzidas, no dia da inauguração será divulgado o catálogo digital, documento que já incluirá as imagens das obras instaladas.
Apresentamos aqui três parágrafos do texto desse catálogo:
Há muito tempo, dois anos antes do meu ingresso na ESBAL, adquiri o belo hábito de largar os confortos domésticos e “migrar” repetidas vezes para sul, para a região de Évora, deambulando alternadamente pelo burgo e pela planície, para me “deixar lá estar” a pintar e a desenhar. Nesses “verdes anos” não imaginei poder vir a desdobrar-me em diversos papéis naquela cidade, nomeadamente a vida militar, no Esquadrão de Lanceiros do Sul (onde me recordo de ter trocado “desenhos à pena” por dispensa de serviços de fim-de-semana). Também não supus, volvidos quarenta anos, um regresso como este, envolto em silhuetas de Ana Mendieta para poisar e me “instalar” nos espaços do Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo (MNFMC).
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No caso concreto deste projecto expositivo, a vontade artística de tirar partido de um lugar, de o transformar em instalação pictural — de o habitar picturalmente — é tocada pela atmosfera do próprio local (uma evidência), é envolvida pela raridade de determinadas peças do MNFMC, é penetrada pelos mistérios da construção megalítica de Almendres, mas é também atingida, “last but not least”, pela força de certas realizações de Ana Mendieta, artista que não se encontrando cá representada em silhueta, reposição performativa, ou filme realizado com Super-8, passa agora a estar momentaneamente por cá através de “interpostas” pinturas. Tratando-se de uma exposição de pintura e instalação pictural com alusões ao sul, às silhuetas, a determinadas peças do MNFMC, ao Cromeleque de Almendres, e a Ana Mendieta, perguntar-se-á, com pertinência, por um contexto que interligue estas noções aparentemente desconexas, que mais parecem “andar à procura” de um autor que as conecte. Os pontos que se seguem indicam algumas possibilidades para esse contexto, sendo que, a meu ver, a última palavra pertencerá sempre à própria maneira da pintura interligar o “múltiplo”, da pintura se materializar e instalar espacialmente.
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Sendo assim, esta exposição no MNFMC caracteriza-se por um conjunto de gestos e de manchas que evocam golpes em corpos, simbolizam silêncios de lugares e pessoas, testemunham perturbações humanas e inumanas, instalando vestígios dos elementos com que a natureza nos compõe. Referindo de novo Mendieta como exemplo de imersão plástica na natureza plena de criatividade, interpelação e empatia, diríamos que à semelhança desta artista, mais do que procedermos “à escuta” das forças telúricas que simultaneamente nos atraem e repelem, podemos “escutar a terra” com o corpo todo, logo, sem privilegiar visão, tacto, audição, cheiro, ou os sabores nos quais estamos cativos. Uma escuta interssensorial, também proprioceptiva, abrindo-se assim espaço à intensificação de um vaivém mais orgânico e integral entre nós e o que nos envolve, sem nos esquecermos de habitar picturalmente esses lugares.
José Quaresma