piso 3 — finalistas pintura 2021 – 2022
31 JULHO > 26 AGOSTO 2023 I SALÃO NOBRE SOCIEDADE NACIONAL BELAS-ARTES
Inaugura no dia 31 de julho, às 18h30, no Salão Nobre da Sociedade nacional de Belas Artes, a exposição PISO 3 – Finalistas Pintura 2021-2022. A exposição ficará patente até 26 de agosto.
Este evento é passível de ser fotografado e filmado e posteriormente divulgado publicamente.
Horário
2ª a 6ª. 12h/19h
sábado: 14h/19h
EXPOSIÇÃO DE FINALISTAS – PINTURA (Ano lectivo 2021 / 2022)
Estas exposições de finalistas (circunstância que dá à maioria dos seus protagonistas uma híbrida condição de aluno-autor, já trabalhando entre a escola e o universo exterior) têm, como se depreende, uma realidade paradoxal: uma dimensão tradicional e outra inovadora, surpreendente. A dimensão tradicional deve-se à periodicidade anual com que se realizam, a dimensão inovadora deve-se ao que aqui é potencialmente inesperado, pois numa turma de várias dezenas de alunos-autores (e considerando a panóplia de técnicas empregues, muitas vezes revelando domínio formal assaz evidente de técnicas e aplicações digitais, entre processos “tradicionais”) a surpresa e maturação de modelos é algo evidente e compensador. De ver, sentir e pensar. Torna-se obrigatório seguir o fio destas exposições, acompanhar autores e a maturação de seus processos, ou a ruptura que os inesperados futuros revelam.
Esta díspar colectiva (resultado, como disse, de singularidades autorais diversas) corresponde a uma selecção, participada pelos alunos-artistas, dos (seus) trabalhos realizados em ambiente de grupo e dialogado na turma finalista do ano lectivo passado (2021/2022). Quer dizer, através desta exposição voltamos à sala de aula, FBAUL e seus alunos de Pintura V e Pintura VI, deparamos com artistas a descobrir ou redescobrir, retomamos um colectivo que terminou as suas actividades no verão de 2022.
A questão do colectivo é fundamental: não vivendo nem trabalhando no isolamento do atelier, o artista-autor finalista (ainda estudante, portanto) descobre a sua singularidade no colectivo da turma e em diálogos constantes com colegas, amigos e docentes. A natureza experimental e livre destes trabalhos relaciona-se mais com as regras da disciplina (ou Unidade Curricular), onde existe ainda a figura da “classificação” numérica, esta experimentação liga-se tanto ou mais a essas particularidades, dizia, quanto ao mercado, sendo certo ou sabido que aqui já encontramos autores integrados nas regras ou lugares do mercado da arte.
O critério de selecção da colectiva é, parece-nos, o mais acertado: todos os finalistas participam, sem excepção (repito sem excepção), até porque todos desfrutaram de livre convívio e discussões de trabalho contínuo; trabalho empenhado e interessado no qual as interrupções lectivas não se fizeram sentir (os dois semestres das actividades lectivas passam num contínuo permanentemente fluido): ora porque a necessidade de trabalhar/criar é incessante, ora porque uma obra está sempre “incompleta”.
Trata-se aqui, nestes balanços anuais, da verificação de que “ensinar” arte é cooperar (no caso de finalistas, acima de tudo, cooperação entre professores e alunos), é trabalhar no seio de uma tradição que se transmite (um “contexto” que se transmite, não uma receita para “fazer bem” ou “de modo perfeito”), sabendo que há algo de incondicional (Derrida) nessa transmissibilidade. Próprio da universidade e do ensino artístico em concreto. Ou do ensino artístico, muito em particular.
De certo modo, a escola de arte(s) representa melhor do que outros casos a figura da “universidade”, tal como no-la expõe Derrida: a universidade é “sem condição” porque aqui tudo se pode dizer (mesmo pôr em causa “arte” ou “universidade”), logo a universidade tem aí a sua força e fraqueza, pois nessa incondicionalidade avança, mas também nessa autocrítica pode ser absorvida por “forças” alheias ao saber. E, como diria De Duve, a arte é um saber que se transmite e vai passando de geração para geração, construindo uma “tradição”, uma tradição moderna e actual.
Incondicionalidade, crítica e tradição, portanto, aqui se encontram. Mas, como nos mostra Jacques Rancière, outro factor aqui se junta: em Le Maître Ignorant, diz-nos o próprio título, o “mestre” nunca está acima do “discípulo”, há uma crítica da lógica da explicação (não há “receitas certas” em arte) e ambos se encontram em diálogo com o seu não-saber e diálogo surpreendente: o docente não pode prever aquilo com que se vai deparar – pode falar em ruptura ou continuidade, mas a surpresa predomina (quase às cegas, diz ainda Rancière).
Também Ortega y Gasset, no seu conhecido Misión de la Universidad, nos fala em “transmissão”, sendo esta a base do trabalho que, na incondicionalidade de Derrida, pode ser posta em causa, obviamente.
A chamada curadoria destas exposições é “aberta” e “democrática”: de cada aluno, aqui já proposto pelos “patrocinadores” desta exposição como artista (aliás ao finalista se lhe diz sempre ser já artista que, como tal, tem de pensar quando realiza trabalho avaliativo: avaliação final? Sim, que ele a imagine como sendo uma exposição individual), de cada aluno-autor se escolhe (com o próprio) um conjunto de trabalhos que melhor o represente, em troca de opiniões docente/discente. Sempre assim foi e continuará a ser.
Supõe-se que essa interacção seja a ferramenta de trabalho privilegiada, pois, como se dizia há umas décadas no mítico Black Mountain College, primeiro está o aluno, suas ideias, práticas e idiossincrasias, depois está o currículo da disciplina, concretamente o seu programa que, a este nível, não existe, pura e simplesmente. É o aluno que, no início do ano, o propõe – o seu programa, entenda-se.
Se quiséssemos usar outra figura conhecida do pensamento, diríamos, voltando a Rancière, que o mestre é uma espécie de “mestre ignorante” no início, pois tem que encontrar-se, nesses primeiros dias de trabalho, com e no território do aluno. Com uma linguagem intraduzível, sem interpretação clara. E aí o “mestre” volta: volta nesta exposição. “Mestre” e público, juntos ao criador e inventor desta matéria, que se renova de dia para dia ou, para me aproximar do tempo desta exposição, de ano para ano.
Carlos Vidal
Os finalistas de Pintura – e uma evocação de José Dias Coelho
Em 2023, na ocasião da exposição ágil e emancipada dos finalistas do curso de Pintura da Faculdade de Belas Artes na Sociedade Nacional de Belas Artes, pode ser ocasião de recordar uma personalidade de rasgo interventivo que temos em comum entre as duas instituições.
Refiro o escultor José Dias Coelho (1923-1961), no ano do seu centenário.
Do seu curso de arquitetura, iniciado em 1942, irá em 1945 recomeçar de novo, desta feita o curso de Escultura. Acompanham-no neste trajeto de procura de uma exigente vocação artística os seus companheiros Rolando Sá Nogueira (1921-2002) e Jorge Vieira (1922-1998). Também João Abel Manta (1928-) e Francisco Castro Rodrigues (1920-2015) acompanham o grupo.
O momento, o ano de 1945, é de charneira. No fim da segunda guerra, Salazar convoca eleições, e a sociedade civil tenta organizar-se constituindo o novo partido, o MUD (Movimento de Unidade Democrática), e também o MUD Juvenil.
Aqui estes e muitos outros jovens das Belas Artes mobilizam-se apaixonadamente: afiliam-se na SNBA como novos associados. Após eleições e com a consequente renovação dos corpos gerentes, levam a cabo um novo programa estético através da proposta de novas exposições no Salão: as Exposições Gerais de Artes Plásticas (EGAP).
Assim é a primeira EGAP, em 1946. Ao contrário de até então, no Salão, não há agora júri, não há inauguração pelo chefe de Estado, e não há prémios. Abre-se a exposição no dia 1º de maio, uma data de celebração proibida, e abre-se também em horário à noite, para permitir a visita aos trabalhadores. Homenageia-se Abel Salazar, recentemente falecido e também perseguido pelo regime.
Na segunda EGAP, em 1947, a PIDE enerva-se com as pinturas neo-realistas, com os cartazes de artes gráficas a apelar ao recenseamento eleitoral e à alfabetização: a PIDE visita esta exposição e leva 11 pinturas para a sua sede na Rua António Maria Cardoso.
O resultado inesperado é o sucesso dessa exposição, que faz as notícias em todos os jornais.
Poucos anos mais tarde, em 1952, durante a eleição de um Júri de premiação do Salão Primavera da SNBA, José Dias Coelho é provocado por Eduardo Malta – que é um ‘ultra’ do regime. Diz Malta: “este homem votou quatro vezes.” Esclarecido o equívoco, e instado por carta da Direção a pedir desculpa a Dias Coelho, Eduardo Malta recusa, sendo assim expulso de associado.
Em consequência, o Estado Novo encerra a SNBA durante meses, com selos de chumbo nas portas e janelas. Não se sabe então se o encerramento será definitivo.
Só será a SNBA reaberta no final do ano, depois de muita demora e dificuldade, e após se readmitir Eduardo Malta, e de se alterar os Estatutos por imposição do Ministério da Educação. Nesse ano não abriu a 6ª EGAP, devido ao encerramento.
José Dias Coelho será também perseguido pelo diretor da Escola de Belas Artes, Luís Alexandre da Cunha, apelidado de “Cunha Bruto.” O abaixo assinado que Dias Coelho promoveu em 1952 provoca mais de 80 processos disciplinares a alunos e fará com que Dias Coelho seja expulso da Escola, sem aceder ao diploma de fim de curso, sendo também expulso do ensino público.
Dias Coelho, assim sem diploma, irá trabalhar como desenhador no atelier dos arquitetos Alberto Pessoa, Hernâni Gandra e João Abel Manta, até passar definitivamente à clandestinidade, em 1955. Passa a ser funcionário do Partido Comunista, encarregue de trabalhos de falsificação dos documentos indispensáveis aos clandestinos.
José Dias Coelho, já casado, com dois filhos, vai mudando de casa, e fugindo pelas ruas aos agentes da PIDE que o tentam localizar. A de 19 dezembro de 1961, numa rua de Alcântara (hoje rua com o seu nome) é perseguido por dois agentes. Baleado pelas costas, tomba, para depois ser abatido, já no chão, com um segundo tiro.
Hoje importará manter a memória e conhecer a obra de um notável escultor, desenhador e gravador, que soube posicionar-se civicamente para que todos, agora noutros tempos, possamos viver e criar com a independência e a emancipação indispensáveis.
Cumpre também a cada um, ontem como hoje, honrar os que nos precederam, tanto na Faculdade de Belas Artes, como na SNBA. Os finalistas de Pintura, hoje, como ontem, na crista da sucessão geracional, deixam agora novos testemunhos para o futuro.
João Paulo Queiroz
Presidente da Direção da SNBA