Debate em torno do livro Vida a Crédito – Arte Contemporânea e Capitalismo Financeiro (Tomás Maia)
25 NOVEMBRO 2022 > 10h00-13h00 I AUDITÓRIO LAGOA HENRIQUES
Com a presença de Tomás Maia, Fernando António Baptista Pereira e Fernando Rosa Dias
Sessão Aberta no âmbito da unidade curricular de Teorias da Arte do Doutoramento em Artes Performativas e da Imagem em Movimento, presencial e aberta ao público.
Nesta sessão de doutoramento, além de uma apresentação geral do livro, procuraremos sondar as repercussões de um tal estado de coisas no ensino e na investigação artística. Propõe-se um debate aberto a todos os participantes.
O livro Vida a Crédito (Documenta, 2022) parte desta premissa:
Na era do capital fictício é a própria ficção que é capital e que é o capital.
Eis por que razão a arte — pela primeira vez na sua história — está a ser destruída no seu ser: o conceito operante do capitalismo financeiro é o mesmo pelo qual a arte se deixou pensar ao longo do seu percurso milenar: em grego, mimesis, em latim, fictio.
«Arte contemporânea» e «capitalismo financeiro»: se a primeira das duas designações tomará apenas o significado de índice histórico (pois interrogá-la em si mesma motivaria um outro livro), já a segunda será objecto de um prolongado exame (religioso e metafísico). Com efeito, trata-se sobretudo de tornar inteligível o modo como, na era «contemporânea» da história da arte (sobretudo a partir dos anos setenta do século passado), a criação artística começou a comprometer-se com a financeirização da economia (e o predomínio da finança coincide, precisamente, com o advento da dita era). Entre arte e capitalismo, à partida, tudo parece ser motivo de distinção e mesmo de antagonismo: se a primeira se define pela prática de um dom, o segundo rege-se pela apropriação da mais- -valia. E se de um lado advém a partilha de uma dádiva, do outro é-nos imposta uma dívida. Ora, é todavia a uma convergência entre capital financeiro e parte significativa da «arte contemporânea» aquilo a que assistimos hoje — a um tal ponto que, pela primeira vez na história, é o próprio ser da arte que é atingido. Daí a necessidade, a urgência deste livro.
[…]
Uma palavra, ainda, sobre o título: Vida a Crédito.
Este apareceu enquanto escrevia o segundo capítulo e, sobretudo, o seu décimo segundo parágrafo. De súbito, apercebi-me de que invertia um título de Céline: Mort à crédit, fazendo ressoar a extrema miséria que grassava no seio frenético de uma certa ideologia do progresso (no caso do romance céliniano, no âmago de uma época que se auto-intitulara Belle — mas que iria desvanecer-se com a deflagração da Primeira Guerra Mundial). Se Céline sugere que a própria morte passara a ser, também ela, objecto de crédito, o presente título procura assinalar que é a vida, na sua totalidade e, mais exactamente, o tempo humano que se encontra expropriado pelo capital financeiro.
[Tomás Maia]