de. para. de. em correspondência — exposição coletiva pós-graduação em discursos da fotografia contemporânea
21 SETEMBRO > 06 OUTUBRO | GALERIA BELAS-ARTES
“A questão já não é ‘que problema nos levanta uma fotografia?’ nem ‘o que é que um filósofo pode fazer de uma fotografia?’… é sobretudo ‘com o que é que a fotografia se pode relacionar, a partir do momento em que a tiramos?’” (Denis Roche, La Disparition des lucioles — réflexions sur l’acte photographique)
A Galeria da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa acolhe a exposição dos alunos finalistas da pós-graduação em Discursos da Fotografia Contemporânea intitulada “De. Para. De. Em Correspondência”. Cada aluno desenvolveu o seu projecto autoral sem pensar nas correspondências embrionárias que o mesmo poderia estar a desenvolver com a criação artística dos seus colegas. Esta exposição vem demonstrar que, um ano decorrido, os “de” “para” “de” são linhas de pensamento invisíveis, contudo, permeáveis.
As áreas de trabalho de Ana Cristina e de Sofija Crnjanski complementam-se na sua plasticidade através de convergências e divergências moldadas pela Natureza: da cinza espectral resultante de matéria consumida pelo fogo à superfície rochosa entrelaçada por memórias líquidas. As transformações do corpóreo e as intangibilidades arquitectadas pela água e pelo fogo desenham as mais diversas teias formais.
Os trabalhos de Pedro Pinto Basto e de Inês Domingues cruzam-se quando perpassam a temática da memória, quer seja ela em formato de história narrada, mesclando reminiscências do que foi, quer seja ela reproduzida numa última imagem — aquela que a optografia estuda —, a imagem cristalizada na retina, a que a morte leva para além dos limites do tempo.
As fotografias de Beatriz Machado e de Neiva Vieira conduzem-nos do caos ao excesso, fazendo-nos acomodar, de certa maneira, a ambientes destratados, a uma Natureza massacrada pelas mãos humanas e ao amontoar de lixo. Sinónimo das nossas comodidades actuais, que mais não são do que um acumular de estórias, algumas recicláveis, outras, nem tanto.
As imagens de Gabriell Vieira e de Mariana Romão seduzem-nos pela sua estranheza. Assiste-se a uma conversão à noite, a uma ode ao escuro que ilumina a extroversão e eclipsa o pecado. O olhar de quem fotografa integra-se de forma camaleónica no meio envolvente dissociando-se do objectivo de documentar. Quem fotografa vagueia na atmosfera fotografada passando a fazer parte dela.
Em questionamento contínuo encontra-se o trabalho de Gustavo Lopes Pereira. Olhares múltiplos sobre um foco em comum. Várias imagens de um mesmo rosto obtidas por diferentes câmaras fotográficas de telemóvel. Um rosto encoberto sobre si, inundado por ficheiros sem assunto especificado.
Numa época em que o “relacionar” se tornou tão ambíguo talvez mereça ser lembrado que “O mundo começou sem o homem e acabará sem ele”. (Claude Lévi-Strauss, Tristes Trópicos)
Cláudia Camacho
Curadora