casa — exposição de jorge leal
5 > 20 JANEIRO I GALERIA FBAUL
Informamos que este evento será registado e posteriormente divulgado nos meios de comunicação da instituição através de fotografia e vídeo.
Inaugura no dia 5 de janeiro, às 18h00, na Galeria das Belas-Artes ULisboa a exposição “CASA” de Jorge Leal, com coordenação de Manuel Gantes, docente da FBAUL.
Linhas de vida
Da visita ao estúdio de Jorge Leal a primeira imagem que recordo é a de arrumação: na luz de fim de tarde invernal os inúmeros cadernos de desenho cuidadosamente alinhados nas estantes, as telas arrumadas por formatos e dimensões, o espaço ordenado e limpo.
Talvez o curso de Arquitectura explique em parte o seu gosto pela ‘urbanização’ do lugar onde pinta e desenha, ou quiçá apenas uma ‘inclinação natural’ esteja na origem desse facto.
Quando me convidou a ser ‘curador’ da exposição que agora apresenta na galeria das Belas-Artes confesso que me senti um pouco embaraçado: nunca antes tinha exercido tal mister, além de não ter formação nesse ‘espinhoso campo’. Fiquei assim com o mais corriqueiro lugar de coordenador oficial da exposição.
A selecção dos desenhos incidiu numa acentuação da ordem linear que preside, com uma cadência quase minimalista, ao percurso gráfico de Jorge Leal. Teve igual peso alinhar coordenadas temáticas prevalentes no seu trabalho, a saber: representações de figuras animais, vegetais e minerais, bem como vertentes naturais e artificiais do ‘mundo humano’. Ficções e narrativas. Foi bom sublinhar uma dimensão constante do suporte para acentuar a ‘igualdade’ do seu desenho pintado.
“(…) Examinemos um cristal. De imediato nos interessam a igualdade entre os lados e entre os ângulos de uma das suas faces: a igualdade entre os lados dá-nos prazer; a que existe entre os ângulos redobra esse prazer. Ao trazer à vista uma segunda face em todos os aspectos semelhantes à primeira esse prazer eleva-se ao quadrado; exibindo uma terceira face parece que se eleva ao cubo, e assim por diante. De facto, não tenho qualquer dúvida que o deleite experimentado, se mensurável, se descobriria ter relações matemáticas tão exactas quanto sugeri; ou seja, até certo ponto, para além do qual se experimentaria um decrescendo nas relações de semelhança.” [1]
O autor não segue o acordo autográfico.
Manuel Gantes, em Lisboa a 26 de Dezembro de 2016.
No filme Up in the Air (Jason Reitman, 2009), o personagem Ryan Bingham (George Clooney) apresenta uma série de palestras (What’s In Your Backpack?) nas quais a ideia principal é a da desobstrução da vida através da concentração no que é essencial, em detrimento da acumulação de bens materiais. Para ele a casa são os aeroportos que frequenta diariamente como consequência do seu trabalho, onde a valorização do movimento rápido depende da bagagem reduzida que transporta. Nos três anos e meio em que vivi em Barcelona, aprendi que a vida é mais fluida quando nos rodeamos apenas do que necessitamos, tornando as mudanças físicas mais fáceis. Esta disciplina pessoal estende-se ao modo como vivo o espaço do ateliê e ao modo como encaro a minha atividade como artista. Nesse sentido, a ideia de casa está simultaneamente associada ao sítio onde vivo, ao local onde trabalho e aos locais onde estudei. De um modo paralelo, os cadernos e as folhas são a casa suficiente para o desenho.
O desenho tem servido como ferramenta que, simultaneamente, alterou a minha relação com a pintura, ao mesmo tempo que me tem permitido realizar trabalho com o mínimo de meios e em qualquer lugar. Esta liberdade concetual e física permite-me concentrar na realização de desenhos espontâneos, mas pensados como pertencendo a um corpo de trabalho que expõe uma visão particular do mundo. O facto de serem produzidos com tinta da China e pincel elimina, em parte, a necessidade de pintura sobre tela no corpo do meu trabalho. Se a ideia de apenas produzir trabalhos em papel me provocava desconforto há uns anos atrás, ela começa a impor-se como uma séria possibilidade. Sempre considerei que os escritores eram os criadores mais afortunados por poderem realizar o seu trabalho apenas com folhas e uma caneta ou um computador portátil. O desenho permite-me cada vez mais encontrar essa ligeireza de meios que sempre considerei ser a que me convém. Interessa-me a ideia de despojamento e do que é estritamente suficiente como expressões da elevação do espírito humano. Nesse sentido, identifico-me cada vez mais com o mito de Zhu Da (1625-1705), a viver recluso nas montanhas como o louco do desenho. A ideia reapropriada é poder vaguear ao volante de um todo-o-terreno, uns cadernos e folhas sobre o banco do passageiro, parar para desenhar num sítio remoto, seguir continuamente viagem de desenho em desenho. E isso ser a casa suficiente.
Jorge Leal