avusmater — exposição de bárbara jasmins
13 AGOSTO > 25 SETEMBRO 2022 I CISTERNA FBAUL
Inaugura no dia 13 de agosto de 2022, às 14h00, na Cisterna da Faculdade de Belas-Artes, a exposição AVUSMATER, de Bárbara Jasmins.
A exposição ficará patente até 25 de setembro.
Horário agosto: 2ª a 6ª das 10h00 às 16h00; sábado das 10h00 às 14h00
Horário setembro: 2ª a 6ª das 11h00 às 19h00; sábado das 11h00 às 17h00.
Este evento é passível de ser fotografado e filmado e posteriormente divulgado publicamente.
Leitura em contraste
por Pedro Matos Fortuna, FBA-ULisboa
Um grande cone cinzento que Bárbara Jasmins “inventou e fez” é-nos proposto na Cisterna da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa! Na forma que damos à ideia tudo conta.
Na distância a que começamos por percebê-lo, só do volume temos noção clara; dele e da austera espiritualidade do espaço, de um lugar outrora destinado à guarda e preservação da água, no antigo Convento de S. Francisco da Cidade. Preservação da água, educação da espiritualidade e interioridade estão unidos por fortes ligações intangíveis, que escolhem a austeridade da forma para se conjugar – a interioridade do paralelepípedo de calcário quase branco guarda a exterioridade do cone de areia de basalto, quase negro.
Espaço e lugar diferenciados. O espaço, com os atributos mensuráveis da dimensão e uma imediata relação de comparação, com a autora (e o observador), mas sobretudo de relação entre a forma construída e o respectivo espaço contentor/ expositivo. A seu tempo estas percepções deram lugar a escolhas de valor e escalas de poder entre si. Do ponto de vista da compreensão do valor dessa escolha, vale a pena pensar na leitura que nos forneceria a presença, hipotética e alternativa, de um pequeno cone na mesma cisterna, iluminado do mesmo modo zenital. O lugar, que a partir dos dados físicos e morfológicos reivindica sobretudo a construção imaterial e relacional dos seus elementos com o património psicológico emocional dos leitores. Que leitura faríamos de um cone de areia, de igual dimensão no Areal de Santa Bárbara, que com os meios técnicos possíveis, Bárbara Jasmins levantasse, sob a luz crua e mutável do Atlântico?
A arte contemporânea, a partir dos anos 1960, enunciou através de um conjunto de obras, a necessidade de fazer transitar entre a galeria e o espaço natural, um elenco de materiais – naturais, mas também técnicos – e formalizações que incluem os próprios procedimentos, evidenciando a condição do natural/ paisagem, mas também o autor/ sociedade, em sentido inverso. As questões da apropriação e mercantilização da arte, assim como o questionamento da galeria asséptica como espaço de nomeação da arte, são hoje reconhecidas como leituras críticas fundamentais do que ficou conhecido como Environmental/ Land Art. O tempo que passou desde a apresentação de obras fundadoras e o registo de atrevimento e surpresa, naturais na contemporaneidade, difundidos agora instantaneamente, tornaram linguagem corrente e inteligíveis todos os meios, todos os materiais, todas as atitudes. A abundância, requer por isso a disponibilidade e o silêncio na leitura, … onde tudo conta.
Na distância – a cisterna obriga à aproximação lenta – a percepção do cone poderá intrigar-nos acerca da construção, a escolher entre a deposição superior natural e o movimento de revolução da geratriz, partindo da areia de basalto como certeza material. Inércia e abundância tornaram-se aqui veiculares de um sentimento em potência, da sensação de falta e de uma incompletude (temporária?). Os materiais primários têm essa capacidade imanente, de sendo o que a autora não é, se prestarem à sua construção (também mental). Surpreendentemente, para mim pelo menos, ficamos diante da mesma escolha dicotómica referida para o lugar da obra e preservando a carga de ambiguidade capaz de trazer à reflexão dois valores fundamentais: primeiro a deslocação, decorrente da sua verosimilhança com o natural e o consequente corte de leitura que proporciona, de transporte e recontextualização; segundo, o seu valor dramático, antes de mais cenográfico, uma escolha racional, repercutida num método que a torna arquitectónica e apta a receber um conteúdo, especulo – a Arte dá-nos essa prerrogativa – enquanto se afasta do natural, propondo a obra enquanto construção hipotética, interior à reflexão pessoal.
Uma autora, uma obra, uma exposição, sobrepõem-se para afirmar o valor de Avusmater através da presença solitária, afirmativa e austera da obra. A autora diz-nos que é uma construção específica para o lugar, contendo nessa afirmação, na deslocação inerente e intrigante, o fecho do ciclo intimista que pacifica a memória.
Quinta do Anjo, Agosto de 2022