ananda kalyani. evocar a paisagem — exposição de fernando aranda
3 > 19 DEZEMBRO I GALERIA FBAUL
Das erupções e das coisas refractárias
A exposição de pintura de Fernando Aranda
Num primeiro momento, após o visionamento deste conjunto de pinturas, temos a impressão de estar perante fortes evocações da natureza, por intermédio de manchas materialmente densas (abundantes em “terras” e “hematite”) que por um lado se mostram sob a pressão do húmus, e por outro, sob os efeitos das atmosferas picturais, ora trazendo para a “clareira do visível” formas do subsolo em erupção e deslocamento; ora espalhando torrões e rizomas pelos ares; ora, também, formas que se ejectam, tombam, suspendem, e reentram mais adiante no solo permeável. Ou então, formas que passam para uma “térmica” de ar ainda mais elevada do que aquela em que vogavam até há instantes, tudo com ímpeto e benefício para o conjunto dos elementos que nos interpelam a partir das telas em apreciação: sejam os elementos naturais que se cruzam em “reciprocidades adversas”, seja o elemento pictural, qual realidade de segundo grau que transmuta e desvia os elementos da natureza para outras maneiras de virem “à luz do dia”, em ligação estreita com os novos sentidos que a arte, neste caso a pintura, gosta de impor ao nosso quotidiano.
Sucede que aquilo que Fernando Aranda nos dá a ver, agora mais em consonância com o princípio de imersão que a sua produção exige, tem uma carga de fecundação que nos faz pensar nos elementos (ou nas raízes) consagrados em diversas culturas: (1) a da formação inicial do autor destas paisagens (México); (2) a da espiritualidade oriental (por exemplo, o fenómeno espiritual e social da Ananda Marga) assimilada pelo próprio; (3), ou ainda, obviamente, as alusões picturais e estéticas (referências indirectas e nem sempre deliberadas) à espiritualidade complementar proveniente da filosofia helénica (a pré-socrática, mas não só), nomeadamente as sínteses de Empédocles no poema Sobre a Natureza.
A fecundidade das “camadas de sentido” apreendidas nestas obras só são possíveis devido à autenticidade (e até à coragem, atendendo à exaustão declarada de muitos espectadores para com evocações de mundos silvestres) de Fernando Aranda, naquilo que concerne ao despojamento espiritual e à forma sensível como perscruta a natureza.
Mas deve-se sobretudo, se quisermos valorizar a sua criação artística, à maneira peculiar de que o autor goza para reconfigurar picturalmente a sua mundivisão, a nossa, a que se desprende de Ananda, de Empédocles, ou de outros “ferreiros e alquimistas”, por intermédio do domínio que demonstra ter das funções, das disfunções e até dos desmascaramentos de certas linguagens da pintura.
José Quaresma
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