A História de Arte é um saber transversal e não pode ser suprimida
“A História de Arte é um saber transversal e não pode ser suprimida”
Não é possível “compreender as criações contemporâneas sem compreender a sua inserção numa longa memória e num longo tempo feito de obras, ideias e conceitos que moldaram o que pensamos, criamos e gostamos hoje”, assegura Victor dos Reis, presidente da Faculdade de Belas-Artes
Victor dos Reis, presidente da Faculdade de Belas-Artes, garante que a supressão da História de Arte nunca correspondeu às diretivas quer da Presidência quer do Conselho Científico no processo de reforma curricular dos planos de estudo desta escola. Aprendê-la é essencial, assegura numa entrevista à VISÃO que vem esclarecer os anseios de alguns alunos e professores.
Os alunos de Belas Artes têm ouvido professores afirmar que, com a reforma curricular em curso, a cadeira de História de Arte iria deixar de ser obrigatória em algumas licenciaturas. A hipótese esteve alguma vez em cima da mesa?
O processo de reforma curricular dos planos de estudo da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL) foi desencadeado por esta presidência em outubro de 2015. Pretende abranger os três ciclos de estudos (licenciatura, mestrado, doutoramento) mas, pelas razões óbvias, começámos pelo 1º ciclo. Em janeiro de 2016, o Conselho Científico aprovou um conjunto de diretivas para a reforma, uma metodologia e um calendário.
Qual foi o vosso objetivo?
Em primeiro lugar, queríamos aprofundar a transversalidade entre áreas e eliminar as barreiras que resultaram da reforma implementada em 2008 e que fecharam os cursos sobre si próprios, impedindo uma verdadeira mobilidade curricular dos estudantes pelos diferentes saberes e técnicas da Faculdade, contradizendo desse modo o espírito de Bolonha, impedindo a efetiva construção por estes do seu percurso académico em função das suas necessidades e apetências e criando uma situação paradoxal numa escola de arte e design (onde é mais fácil, por via do programa Erasmus, ter a experiência de frequentar outra escola europeia do que usufruir das cadeiras de outra área científica/artística da sua própria faculdade). Outros objetivos foram diminuir o número exagerado de cadeiras, frequentemente repetições das mesmas mas com nomes, cargas horárias e créditos diferentes e harmonizar tempos letivos e créditos em função da natureza das cadeiras (teóricas, teórico-práticas, laboratoriais) para toda a faculdade criando um sistema mais leve, mais versátil e mais eficaz.
E os minors, também são uma novidade?
Sim, pretendemos introduzir, pela primeira vez, os minors: ou seja, a possibilidade dos estudantes saírem diplomados numa área (correspondente a uma das sete licenciaturas da faculdade: Arte Multimédia, Ciências da Arte e do Património, Desenho, Design de Comunicação, Design de Equipamento, Escultura, Pintura) e numa especialidade (a partir de um conjunto variado de minors oferecidos pelas áreas/departamentos a todos os estudantes, independentemente da licenciatura em que estão inscritos). Assim, pela primeira vez, todos os estudantes de Belas-Artes poderão realizar um minor em História de Arte (ou em qualquer outra das múltiplas especialidades ao seu dispor). Essencial era criar um tronco comum a todas as licenciaturas, constituído por cadeiras de História da Arte e de Desenho. O passo seguinte da reforma (já em elaboração) será a extensão consequente desta aos cursos de mestrado e de doutoramento.
Ou seja, a supressão da História de Arte não está em causa?
A supressão da História de Arte nunca esteve em cima da mesa. Pelo contrário, foi desde o início tomada como um saber transversal a par do Desenho. No entanto, ao longo do processo, em certos cursos foi a história do design (um ramo da história da arte) que foi equacionada como estruturante da formação dos licenciados em Design.
Como terá então surgido esta ideia?
A reforma está em discussão desde final de 2015 e envolveu reuniões dentro das áreas/departamentos quer com docentes quer com estudantes. Um dos tópicos de discussão foi precisamente o do tronco comum (não tanto acerca da sua natureza), mas do seu peso relativo. Como disse, em algumas licenciaturas houve quem defendesse soluções ligeiramente diferentes. Porém, convém salientar que tal nunca correspondeu às diretivas quer da Presidência quer do Conselho Científico.
Dado que este último órgão tem especiais competências nesta matéria, no passado mês de abril, foi aprovada uma solução consensual: os estudantes de todas as licenciaturas tinham, no mínimo, que realizar obrigatoriamente duas cadeiras de História de Arte e duas de Desenho. Em algumas das sete licenciaturas, os estudantes são livres de escolher essas cadeiras, noutras uma ou mais estão pré-definidas; além disso, é importante dizer, a maioria das licenciaturas prevêem nos novos planos de estudo mais do que duas cadeiras obrigatórias tanto em História de Arte como de Desenho.
Num processo como este é fácil surgirem boatos, rumores e alguma desinformação. Lamento também admitir que, em todos os processos de reforma, há sempre pessoas que tiram proveito da desinformação. Claro que os estudantes são, à partida, os alvos preferenciais – fundamentalmente, porque estão, em geral, mais distanciados e até desinteressados da discussão, nem sempre fácil, do assunto.
Quais as vantagens de a cadeira ser transversal a todos as licenciaturas? O que oferece a História de Arte para a formação curricular nestas áreas?
A História da Arte permite uma visão e, em particular, um conhecimento fundamental sobre a complexa teia que se desenvolve ao longo do tempo entre indivíduos e sociedades e o modo como ela, nas suas formas de transmissão e influência, constrói o que designamos por cultura (artística ou outra). A cultura, por sua vez, está intimamente ligada à identidade e, por sua vez, à memória: não é possível compreender as criações contemporâneas sem compreender a sua inserção numa longa memória e num longo tempo feito de obras, ideias e conceitos que moldaram o que pensamos, criamos e gostamos hoje.
Qualquer pessoa, mesmo não sendo aluno da FBAUL, pode fazer um minor em História de Arte?
Não. Os minors são restritos aos estudantes das sete licenciaturas de Belas-Artes. Porém, relembro, todos os estudantes de Belas-Artes, com esta reforma, poderão pela primeira vez realizar um minor em HA (ou em qualquer outra das múltiplas especialidades transversais ao seu dispor). Por outras palavras, construir um percurso académico em função da combinação de saberes e competências que melhor respondem aos seus projetos, aos seus desafios e às suas inquietações individuais
Entrevista do Presidente da Faculdade de Belas-Artes à revista VISÃO em 23 de maio de 2017
Comunicado A BANALIZAÇÃO DA MENTIRA