Palavra Têxtil – Conferências da Primavera /Tapeçaria Contemporânea – Exposição ARTLAB – UR – Trilogia de Mundos
EXPOSIÇÃO – 30 OUTUBRO > 4 MARÇO I CONFERÊNCIAS – 5 FEVEREIRO E 4 MARÇO I MUSEU DA TAPEÇARIA DE PORTALEGRE – GUY FINO
No âmbito da exposição ARTLAB – UR – Trilogia de Mundos, patente até 4 de Março no Museu da Tapeçaria de Portalegre Guy Fino, realiza-se o ciclo de conferências da Primavera Palavra Têxtil.
A primeira parte decorreu no dia 5 de Fevereiro, com o PROGRAMA, a segunda parte realiza-se já no dia 4 de Março, no Museu de Tapeçaria Guy Fino, em Portalegre. São oradores Ana Gonçalves de Sousa, Dina Caetano Dimas, Célia Gonçalves Tavares, Hugo Ferrão, Elisa de Sousa por Ana Gonçalves de Sousa.
A exposição que agora se realiza na Galeria de Exposições Temporárias do Museu de Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino, deve-se em grande parte à persistência e dedicação da Diretora do Museu, Dr.ª Paula Fernandes; à visão da Presidente da Câmara Municipal, Doutora Adelaide Teixeira; à perspetiva de estabelecer redes e protocolos entre outras instituições e a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, protagonizada pelo seu Presidente, Doutor Vítor dos Reis; e também ao envolvimento e querer dos alunos e colaboradores da unidade curricular de Tapeçaria da Licenciatura de Pintura, que têm materializado, com escassos meios, os projetos orientados pelos professores Doutor Hugo Ferrão e Mestre Ana Gonçalves de Sousa.
Ao intitularmos esta mostra de Tapeçaria Contemporânea como «Art Lab. Ur – Trilogia de Mundos», utilizámos o termo «Ur», evocando imageticamente uma cidade milenar, centro espiritual da antiga Suméria (Iraque), onde a ritualização performativa das festividades, não só manifestava a incerteza nas futuras colheitas, como também convocava as divindades ordenadoras e renovadoras capazes de materializar em abundância todas as preces dos seus devotos. Se nesse tempo longínquo, a teatralização mítica das «catarses divinas» tinha como principais interlocutores os mediadores-sacerdotes e o rei, legitimado como representante máximo da divindade, na visibilidade das narrativas construídas e interpretadas pelos sacerdotes; hoje o «museu» é igualmente um espaço de sacralização dos artistas e das obras produzidas, que projetam a criação de mundos.
O artista perante a agressividade do mundo exterior está em constante tensão com o seu mundo interior, que deve ser estruturado e ordenado, de modo a proporcionar formas de reconhecimento, utilizando os mitos para se contar, através de um sistema de comunicação, uma fala (Roland Barthes), que permita a sobrevivência do ser.
«Ur» simboliza também o combate cíclico patente no tratamento das terras, com o propósito de gerar condições para a renovação da natureza, para que possa acontecer a vida. A cadência cíclica dos dias, das noites, das estações do ano, das luas, também se intui no batimento dos quadros do tear, nos fios de fibras vegetais delicadamente fiados pelas mãos das tecedeiras, que urdem teias, passam tramas e dão forma aos tecidos que protegem o corpo, nos recebem crianças e nos cobrem na morte.
Quando falamos de «Ur», estamos a revisitar a ideia de que toda a atividade-ofício-arte pode funcionar como suporte para a realização do ser, correspondendo simbolicamente a uma atividade divina (Titus Burckhardt), significando que toda a obra se materializa por imitação do divino. A recuperação dos ofícios e das artes tradicionais como a tecelagem ou a tapeçaria, nas sociedades pós-industriais, reflete a necessidade de recuperar uma visão do mundo em que a dimensão espiritual seja capaz de recentrar as possibilidades materiais presentes e verdadeiramente necessárias para a construção da existência em que se pode ser. Esta consciência está patente no corpo de cada uma das obras apresentadas.
Esta exposição tem a particularidade de revelar atitudes e preocupações que assistem aos artistas que nela participam e nos fazem intuir e descobrir outros sentires, que não aqueles feitos de «deletes» da nossa própria consciência, como forma de alienação constante. As manifestações artísticas dessa consciência projetam-se nos silêncios da materialidade das obras, nos mundos interiores em constante procura de novos modos de fazer mundos, entendidos como sistemas de símbolos, em articulação com campos de referência (Nelson Goodman). É nesta «paisagem» que o próprio artista vai construindo um quadro de significações que funciona como «impressão digital do ser».
A «trilogia de mundos», que compõem a presente exposição, caracteriza-se por uma unidade estética que se instaura por intermédio de fios urdidos, para formar teias que serão o suporte de toda a atividade das tramas utilizadas. É do entrecruzar fios de teia com os de trama que nasce a tapeçaria, à qual subjaz a arquitetura mítica do tecido, que tem na teia o elemento imutável, o suporte, e na trama as contingências e vicissitudes do fazer nascer a obra (mito grego das Moiras; mito romano das Parcas). O número de fios de teia por centímetro é indicador do nível de complexidade da obra, que convoca a unidade transcendental pressentida na imagem da aranha, tantas vezes evocada pelas tecedeiras, que descrevem a sua fiação, feita a partir de uma substância que sai do próprio corpo (mito de Aracne), tal como os artistas segregam a «substância metafísica» das teias que dão corpo ao imaginário.
No primeiro mundo-núcleo, encontramos um conjunto de artistas (Alves Dias, Cândida Marques, Gisella Santi, Guida Fonseca, Lena Horta Lobo, Luísa Ferreira, Maria Delfina, Maria João Gromicho e Maria José Mateus) que fez parte do «Grupo 3.4.5 – Associação de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa», fundado por Gisella Santi (1922-2006), em 1978. Estes artistas foram muito influenciados pelas práticas no domínio da tecelagem e da tapeçaria de Lausanne, Lotz, Portalegre e Aubusson, cidade mítica na implementação da Tapeçaria Contemporânea Europeia, protagonizada por Jean Lurçat (1892-1966), cuja influência se reveste da maior importância em Portugal, pela relação estabelecida com Guy Fino (1920-1997), fundador da magnífica Manufatura de Tapeçaria de Portalegre (1946), com a colaboração de Manuel Peixeiro (1893-1964), criador do «ponto português», também conhecido por «ponto de Portalegre». A geração representada nesta mostra viveu um tempo cultural europeu de «renascimento da tapeçaria», no qual figuras como a Magalena Abakanowicz (1930) são os seus axis mundi imagéticos. É hoje fundamental desenvolverem-se estudos sobre este grupo, que teve um papel determinante na preservação e divulgação da Tapeçaria Contemporânea em Portugal. Esta mostra é, nesse sentido, uma homenagem e um pequeno contributo.
O segundo mundo-núcleo é constituído por colaboradores, por ex-alunos e pelos atuais professores de Tapeçaria (Ana Gonçalves de Sousa, Ana Maria Gonçalves, Cristina Vilas-Bôas, Dora-Iva Rita, Elisa de Sousa, Hugo Ferrão, Sónia Godinho e Teresa Matos Pereira), num contexto que deriva diretamente da reforma bauhausiana operada, em 1974, na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. O professor Rocha de Sousa foi então a figura tutelar desta disciplina, programando-a para permitir propostas e estudos de matriz artística, antropológica, sociológica e tecnológica, como foi o realizado na Cooperativa Grupo de Tecelagem de Limões (1986) e no Centro de Interpretação – Museu do Linho (2014), em Trás-os-Montes, distrito de Vila Real, concelho de Ribeira de Pena. Neste contexto, as Mestras D.ª Ana Erénia e D.ª Joaquina Pires, em colaboração com o então aluno Hugo Ferrão, foram capazes de estruturar um projeto de recuperação de uma zona linheira, com todas as implicações logísticas do ensino-aprendizagem da tecelagem e os consequentes impactos na comunidade. Os «riscos-desenhos», que se apresentam nesta exposição, fazem parte das recolhas realizadas, a partir de 1981, no espaço encantatório de Limões.
No terceiro mundo-núcleo, encontramos os jovens alunos selecionados que frequentam a unidade curricular de Tapeçaria no presente (Beatriz Coelho, Daniel Xavier, Elisabete Santos, Francisco Vicente, Guilherme Ramos, Joana Passos de Almeida, Madalena Mendes, Márcia Marques, Margarida Vinhais, Rita Vieira Gonçalves e Susana Cruz), fortemente influenciados pelo novo conceito de «ArtLab», introduzido pelos professores Hugo Ferrão e Ana Gonçalves de Sousa. Nesta ideia transparece a noção de laboratório artístico experimental, constituindo as aulas um «lugar imagético» onde se desenvolvem metodologias criativas e exploram novas áreas como a Fiber Art e a Textil Art, abrindo espaço à reflexão e teorização sobre estas matérias, em estreita relação com a Tapeçaria Contemporânea. As propostas «coisificam-se» e, embora muito diversificadas, manifestam as preocupações latentes de um futuro incerto, no qual é urgente reencontrar a dimensão de humanidade, que parece estar perdida, mas simultaneamente é revelada por estes olhares artísticos, que transparecem uma maior consciência e leitura crítica sobre as storytales da pós-globalização.
A exposição «Art Lab. Ur – Trilogia de Mundos» inicia um novo ciclo, dando cumprimento a um plano integrador de outras iniciativas que visam contribuir para transformar o Museu de Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino num polo de Tapeçaria Contemporânea a nível nacional e internacional. As conferências «ArtLab – Tapeçaria Contemporânea 2015/2016» vão trazer especialistas e artistas cujas temáticas abrangem desde os campos da Arte, Pedagogia, Ciência e Tecnologia ao Empreendedorismo, sendo a sua programação, divulgação e publicação realizadas pelo Museu e pela Faculdade. Será ainda realizado um workshop em Estamparia Têxtil, a agendar pelo Museu. A Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e a Câmara Municipal de Portalegre reúnem atualmente as condições essenciais para assumirem um protocolo que poderá incluir residências artísticas, a criação de um centro de estudos sobre Tapeçaria e a implementação de pós-graduações que potenciem valências e competências que contribuam para que os jovens de hoje sejam capazes de desenhar o amanhã.
Casa das Três Colunas, Amieira do Tejo, Agosto 2015
Hugo Ferrão
Regente das unidades curriculares de Tapeçaria – Licenciatura em Pintura
Director da Área de Pintura
CIEBA – Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes
A Câmara Municipal de Portalegre convida o público a visitar a exposição “ART LAB – UR – Uma Trilogia de Mundos”, que estará patente na Galeria de Exposições Temporárias do Museu de Tapeçaria Guy Fino, de final de outubro até aos primeiros meses de 2016.
Esta mostra de tapeçaria contemporânea, uma colaboração com a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa é, como refere Hugo Ferrão, regente da sua unidade curricular de Tapeçaria, composta por “fios urdidos para formarem teias”, trabalhos de um grupo de artistas inspirados na mítica cidade da Antiga Suméria, com o objetivo de, ainda segundo Hugo Ferrão, “reencontrar a dimensão da Humanidade que parece estar perdida”, e que estes diversos olhares artísticos pretendem redescobrir.
Dos três núcleos que compõem esta exposição, o primeiro é uma homenagem aos artistas que fundaram o grupo “3-4-5”, em finais dos anos 70, um conjunto de artistas inspirado pelas famosas tapeçarias francesas de Aubusson, e também pelas tapeçarias de Portalegre.
O segundo núcleo é integrado por colaboradores, ex-alunos e os professores da já mencionada unidade curricular de Tapeçaria das Belas-Artes. As obras deste núcleo são constituídas por peças elaboradas com os mais diversificados materiais e com técnicas muito diferentes. De entre muitas obras admiráveis, referência para peças como “Os Náufragos”, de Iva Rita, parte do conjunto “do Azul do Mundo”, composta por arame de cobre e pano de algodão, minúsculas figuras humanas que se agarram ao fio da esperança, coloridas com um profundo azul-cobalto; ou a admirável obra “Penélope”, de Sónia Godinho, homenagem à mulher alentejana feita com uma técnica mista sobre tela, um tríptico de painéis com intensos castanhos, vermelhos e negros, belíssimas amostras das capacidades ilimitadas destas variadas técnicas.
Finalmente, o terceiro núcleo é composto pelos atuais alunos da unidade curricular, que também nos mostram mais uma vez peças em vários materiais. Neste núcleo de muita qualidade, são peças admiráveis o original trabalho de Elisabete Santos, intitulado “Género”, retalhos de roupas femininas, constituído por materiais como colchas de cetim, rendas, joias e peças de faiança; ou ainda as magníficas peças de cerâmica de Joana Passos de Almeida, feitas de tear em prata dourada, fio de seda, algodão, ráfia e outros materiais.
Maria Adelaide Lebreiro de Aguiar Marques Teixeira
Presidente da Câmara Municipal de Portalegre