a cartuxa não se visita
08 > 28 MARÇO I GALERIA
Inaugura no dia 8 de março, às 18h00, na Galeria das Belas-Artes, a exposição de fotografia “A CARTUXA NÃO SE VISITA” de Francisco Pereira Gomes, com curadoria de Eduardo Duarte. A exposição estará patente até 28 de março.
Este evento é passível de ser registado em vídeo e fotografia.
horário
2ª a 6ª › 11h–19h
Uma vez num ano em Matinas, uma vez por mês em Vésperas, ou menos, é o que uma Comunidade Cartusiana vê um hóspede no coro. O Prior não tem autoridade para dispensar da clausura papal para mulheres e para varões faz excepções raras e por motivos sérios. Os parentes dos monges, claro, mas cada um destes recebe os seus familiares duas vezes por ano. Amigos na cidade, se são amigos conhecem os desejos dos anfitriões e respeitam-nos, como amigos.
Pode haver motivos profissionais, mas são tão infrequentes como atentamente valorados. Historiadores, arquitectos, catedráticos, escritores. O Prior valora a autoridade da pessoa e sobretudo o seu trabalho em curso que pareça exigir ao aconselhar a visita ao mosteiro. Ou mais exactamente, uma visita será menos dificilmente autorizada do que uma participação na Liturgia, pois esta para os Cartuxos é verdadeiramente oração, não apenas um cumprimento legal, e por isso não gostam de ter assistência que sempre distrairá. Os que menos dificuldades encontram para participar no coro são os clérigos ou religiosos, apresentados ordinariamente por colegas do âmbito dessa Cartuxa.
E os fotógrafos? Estes podem sentir-se especialmente atraídos por um mosteiro com séculos de idade, com arte altamente valorada, com figuras humanas inusuais. A mesma frequência e insistência dos seus pedidos põem em guarda os priores, que necessariamente devem responder negativamente, com a fácil escusa de que as fotos do mosteiro estão já muito divulgadas, conhecidas, e portanto apenas poderiam dar lugar a repetição injustificada.
Recentemente foi concedida uma licença excepcional a um fotógrafo, motivada em parte pela mútua amizade e em parte pelo seu nível profissional e artístico. Ele correspondeu respeitando a vida dos monges e aproveitando o que lhe aparecia por diante. E sobretudo conseguiu estar na igreja durante a oração cantada, mesmo no melhor dos seus momentos, as Matinas a meia-noite. Os Cartuxos consideram a vigília como o tempo mais feliz na sua vida. Possivelmente um fotógrafo com sensibilidade religiosa poderá considerar igualmente essa ocasião como algo único na sua experiência profissional.
O nosso amigo Francisco teve a intuição duma palavra muito valorada na Cartuxa: a Simplicidade. Por isso ele fotografou coisas simples, considerando-as representativas do ambiente em que se lhe permitiu entrar e estar e trabalhar. O antifonário, os livros, o sino, a chave cartusiana tão original, o prato esperando a comida…
Este fotógrafo recebeu o pedido de não divulgar a licença obtida. Afinal o resultado foi tão excepcional quanto a dispensa foi e por isso ele pensou em expor as suas obras de arte gráfica. Com a anuência, também excepcional, dos seus amigos Cartuxos mas também com a admiração e gratidão destes.
PADRE ANTÃO LOPEZ (prior da Cartuxa de Scala Coeli)
A CARTUXA NÃO SE VISITA
Qualquer exposição sobre a Ordem dos Cartuxos é um acontecimento raro. Vem esta consideração a propósito do presente trabalho de Francisco Gomes no qual se revelam fotografias feitas na Cartuxa de Évora. A Ordem dos Cartuxos[1] é uma das mais antigas ordens contemplativas da Igreja Católica, fundada por São Bruno (1030-1101), que, em 1084, procurou a solidão das montanhas da Chartreuse, na região do Auvergne-Rhône-Alpes, em França.
Em Portugal, existiu a Cartuxa de Lisboa (em Laveiras, Caxias) e a de Évora, criadas no século XVI. Ambas suprimidas aquando da extinção das Ordens Religiosas, em 1834, a de Évora foi restaurada em 1960 e ainda hoje permanece ativa.
A Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli, em Évora, fundada em 1587, foi construída entre esse ano e 1598 e insere-se, em termos arquitetónicos, no designado “estilo chão”, conceito criado pelo historiador de arte norte-americano George Kubler, em 1972, no livro Portuguese Plain Architecture between Spices and Diamonds 1521-1706. A arquitetura do “estilo chão” é caracterizada pela clareza, ordem, proporção e simplicidade.
As fotografias de Francisco Gomes souberam captar a arquitetura e o design dos espaços, objetos, assim como a vivência dos monges que aí vivem, sete, como os fundadores, daí o símbolo de esta ordem religiosa contemplar sete estrelas que rodeiam o globo encimado por uma cruz.
Como o incontornável filme Die Grosse Stille (O Grande Silêncio) de Philip Gröning (2005), notável introdução estética e plástica à Ordem dos Cartuxos, também as fotografias de Francisco Gomes, conscientemente a preto e branco, evocam espaços, objetos, gestos, presenças, transcendências, sombras, mas, sobretudo, a luz chã da arquitetura alentejana e os hábitos dos monges…
EDUARDO DUARTE
Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa
Ao contrário daquilo que imaginamos de uma ordem religiosa antiga, fechada e contemplativa, entrar na Cartuxa não nos transporta para uma dimensão diferente do tempo, nem para uma ordem diferente das coisas.
O tempo de um cartuxo é intensivamente programado, ocupado e balizado; numa sucessão de tarefas ora terrenas, ora espirituais, para as quais são chamados pelo constante toque de um sino.
O quotidiano de um cartuxo é o resultado de um processo centenário de simplificação e eliminação do acessório para que cada um destes homens consiga entregar-se exclusivamente à contemplação, oração e leitura.
As imagens aqui expostas são o resultado do imenso privilégio de poder viver e fotografar no interior do Mosteiro da Cartuxa de Évora.
FRANCISCO PEREIRA GOMES