o corpo da fisionomia
09 > 29 MAIO I GALERIA BELAS-ARTES
Inaugura no dia 9 de maio, às 18h00, na Galeria das Belas-Artes, a exposição O Corpo da Fisionomia de Artur Ramos. A exposição ficará patente até 29 de maio.
horário schedule
2ª a 6ª › 11h–19h
monday to friday › 11am to 7pm
Informamos que este evento poderá ser registado e posteriormente divulgado nos meios de comunicação da instituição através de fotografia e vídeo.
Muitas vezes fazemos um desenho e ficamos satisfeitos com o resultado, mais tarde desapontamo-nos ao olhar para o mesmo desenho, ele parece não resistir à ausência do seu modelo. Nos meus trabalhos procuro que o desenho resista à passagem do tempo e ao desaparecimento do seu próprio referente.
Esta seleção de trabalhos testemunha um percurso de anos em torno do retrato e da figura humana, tema a que me dedico exaustivamente quer como docente quer na minha investigação e prática artística. Mostram diferentes aproximações ao nível do detalhe fisionómico, da estética e dos processos de registo envolvidos. Mas aquilo mais importante que os une é o facto de terem sido executados sempre a partir da presença do modelo. Como tal, este tirar do natural impõe um limite de tempo. Ao fim desse tempo e a partir do próprio desenho, descobre-se quase que intuitivamente a ordem e a lógica que une as diversas partes do rosto e dão verdadeiramente sentido à fisionomia. Essa coerência que se pensa ter vislumbrado, mas que parece fugir constantemente, é a motivação para começar um novo desenho. Esta lógica que se encontra exemplarmente na concordância dos traços do rosto estende-se também a todo o corpo. Ou seja, para além dos cânones, podemos acreditar que existe para cada corpo uma concordância onde a cada orelha só pode corresponder um dedo ou uma linha do joelho. É esta especial relação que tento alcançar frente ao modelo. Assim, cada retrato é uma aposta num sentido fisionómico que nunca está confirmada e cada figura é uma confirmação de como a perfeição e o cânone é algo muito longínquo.
Lisboa, 9 de Maio 2019
Artur Ramos
Do Retratar enquanto problema
Se o desenho tem na sua génese um exercício de pensamento, a coincidência entre ver e pensar alcança no acto de retratar o seu mais alto expoente. Observação: concentrar-se no natural, e abstracção: sondar o essencial de uma presença, mobilizam a circularidade bidireccional que ora aproxima ora distancia o sujeito (retratista) em relação ao seu objecto. Este, por sua vez, não é um modelo a reproduzir, mas um outro sujeito a desvendar. O retratista enfrenta o problema da realidade e da idealidade: ver no presente o possível, na actualidade uma memória.
A autenticidade do retratado não poderia resultar da objectividade neutra – a adequação a esquemas descritivos da anatomia, ou a tipos genéricos da fisionomia humana –, muito menos, do subjectivismo dos estilos pessoais ou de ensaios de uma imaginação abandonada ao seu livre curso. A intuição da natureza característica de um ser humano e a sua apresentação em imagem dá-se num processo temporal contínuo que vai traduzindo e fixando em traços seus os traços identitários que compõem uma individualidade. O retratista enfrenta o problema da mobilidade e da permanência: ver na sucessividade a simultaneidade.
Muito discutida tem sido a questão da individualidade e, por maioria de razão, a questão da identidade pessoal, e qualquer definição peca por limitativa. Simplificando, dir-se-á que uma pessoa é a unidade indivisa entre subjectividade e corpo: um Eu corporizado. No caso do retrato, a personalidade mostra-se tanto mais rica quanto mais dela transparecer uma figura viva, um rosto que é o rosto de um corpo determinado e no qual se espelham sinais da vida interior. O retratista enfrenta o problema da revelação de estratos profundos em forma acabadas: transitar da multiplicidade à unidade, e desta àquela.
A investigação teórica e artística de Artur Ramos prossegue um intenso trabalho de resolução destes, que são, em última análise, problemas fundamentais da existência humana. Nos desenhos agora expostos, a expressão da individualidade estende-se da caracterização minuciosa das feições de um rosto à totalidade de um corpo peculiar, esbatendo a hierarquia entre cabeça e corpo e adensando o mistério de uma vida que é tanto vida quanto morte.
Adriana Veríssimo Serrão
Artur Ramos, nasceu em Aveiro em 1966. Licenciado em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa em 1992. Mestre em Estética e Filosofia da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2001. Doutor em Desenho pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa em 2007. É docente de Desenho na FBAUL desde 1995. É autor de várias publicações sobre retrato das quais se destaca o livro publicado em 2010, Retrato: o Desenho da Presença.
Participou em inúmeras exposições das quais se destacam as exposições individuais: Da Beleza Da Sombra À Luz Do Olhar, desenhos e pinturas, na Galeria SOCTIP em Lisboa em 1992, Desenhos, na Galeria da Sociedade Cooperativa de Gravadores Portuguesa Gravura, em Lisboa, 1995, O Olhar da Paisagem, Desenho e Pintura, na Galeria de Colares em Colares, em 2004 e Corpos Desconhecidos, no Museu Militar de Lisboa em 2018.
O seu estudo académico e a sua produção artística questionam os limites da correção sem a perda da semelhança na representação da figura humana e em particular no retrato. Como pode um retrato ou uma figura ser mais convincente que o próprio modelo. Como pode uma representação mostrar tudo aquilo que a pessoa é mas que dificilmente dá a ver, é a principal questão que os seus textos, desenhos ou pinturas procuram formular.