Madonas — Exposição de Beatriz Manteigas
21 > 29 JUNHO | GALERIA FBAUL
Beatriz Manteigas representa a figura feminina num momento que testemunha o mais belo tempo da vida. Das mãos, dos braços, da cabeça e dos pés brota o esperado e o recebido. Ao peito escondido regressam prontos os apertados abraços prometidos. Sentadas esperam resignadas e em serenidade como madonas não pelo filho mas pelo futuro.
É com um desejo ardente de construção que os traços cheios de cor e matiz procuram encontrar o agitado e quente ardor do corpo. Por dentro e por fora a alma e o seu fervor são projetados em amplos movimentos de traçado. A duração do momento está evocado, o passado está presente e o futuro antecipado.
Pelas superfícies dos corpos nus encostam-se pequenos traços que se fazem mancha e os iluminam de cor. Cada um é um mimo e uma estrofe de ode oferecida ao feminino. Através desses traços tateamos com os olhos as formas e passeamos em espírito por entre elas. Esta aproximação, esta espécie de chamamento a si, é o que mais singelamente distingue estes trabalhos de Beatriz Manteigas.
Na cinzenta imaterialidade do nada e do fundo sobrevive a colorida espiritualidade do corpo e do nu.
Artur Ramos
Madonas, tema abordado desde 2011, é uma série de obras inspiradas na presença feminina: a força criadora, bela e instável (e por vezes bruta) do feminino, símbolo último e universal da vida.
Os trabalhos inspirados no imaginário português ligado à infância da autora e relacionados com os seus estudos de desenho de modelo e anatomia, procuram mostrar esse lado natural da mulher, libertando-a de adereços perturbadores da sua essência não só através da nudez dos modelos mas principalmente e em paralelo, através da forma de mostrar e pensar a mulher em termos mais serenos e despretensiosos, afastando-a do objeto sexual e aproximando-a dos deuses. Se tantas outras vezes e sob tantas outras formas foram feitas odes ao feminino pela sua sensualidade e sexualidade, esta abordagem procura ser uma ode a tudo o resto que a mulher é.
Para além disso, o corpo, nas suas várias formas, foi desde a Antiguidade o mais representado dos temas apelando para a exaltação da experiência aliada à observação cuidada. Este, que encerra a alma, os pensamentos, alegrias, medos e ansiedades é também essa forma invisível, por vezes mais presente do que a forma material.
Em contraste com obras anteriores esta série prende-se também com a procura da identidade do indivíduo, qual a informação transmitida pelo retrato, até que ponto chegamos ao indivíduo pela imagem e o que é que essa imagem nos diz. Quanto do que nos trasmite o retrato é pessoal ou universal? Quando é que a figura deixa de ser um retrato de alguém e começa a ser uma imagem? Estas questões traduzem-se nas figuras representadas através de uma crescente descontrução, tentando desmontar o indivíduo ou, antes, mostrar os limites da imagem em conseguir fazê-lo.
As figuras movem-se incomodadas dentro das telas (tal como os modelos posando no acto da realização das obras) tentando esconder-se, encerradas na sua imagem, tal como fazemos diariamente. A partir de que momento somos mais do que a nossa imagem?
Beatriz Manteigas